Toda a comunidade cultural do Maranhão e poética de todo o Brasil está consternada com a partida súbita do poeta e jornalista Celso Borges, aos 63 anos, ocorrida na madrugada do último domingo, 23.
Celso Borges publicou 14 livros, foi curador da Feira do Livro, diretor de jornalismo da TV Mirante, um dos fundadores da Mirante FM, foi assessor de imprensa do Festival BR-135 e Festival Zabumbada, idealizador dos projetos Poesia Dub, A Posição da Poesia é Oposição e Sarau Cerol. Como produtor fonográfico lançou o CD “Pão Geral – Tributo a Tribuzi”, entre outros trabalhos, abriu o Lado B do LP da coletânea maranhense Vinil & Poesia – Vol. 1, com a faixa Tambor de Crioula. CB é um poeta imortal, por natureza; unanimidade nas relações humanas, etéreo da atmosfera astral. Gratidão, poeta!
À Andrea Oliveira, todos os amigos e familiares, nossos sinceros sentimentos, desejando que o entusiasmo pela vida tão nutrido por Celso Borges permaneça no coração de cada um de nós.
A Missa de sétimo dia “Tua benção, poesia” de Celso Borges será realizada na Igreja de São João (Centro), às 17h, neste sábado, 29 de abril.
Nas redes sociais, o poeta e jornalista Fernando Abreu pronunciou-se:
“Escrevi esse poema para Celso no segundo semestre do ano passado, depois de ele ter me salvado de um dia ruim, de um sentimento ruim. Penso que isso diz muito sobre a essência desse cara com quem tivemos o privilégio de repartir nossas vidas, e que agora carregamos vivo dentro do peito..
(*) Na foto, o dia em que visitamos juntos, só nós dois, pra curtir pela segunda vez a expo do Márcio Vasconcelos, Visões de Um Poema Sujo.
CELEBRAÇÃO
eu não lembrava nem mesmo vagamente
que na noite em que ganhei meu primeiro
e único prêmio literário
um segundo lugar há mais de trinta anos
meus amigos comemoram me jogando
para o alto, tarefa fácil entre gargalhadas,
considerando meus magros 50 kg da época
ainda estamos todos vivos, de um jeito ou de outro,
mas foi preciso chegar um dia em que desejei
não estar ou nunca ter estado
nessa condição biologicamente definível
para um deles me contar essa história
me jogando para cima outra vez
agora sem a ajuda dos demais camaradas
apenas com sua voz que me chegava na forma
de palavras escritas na tela do celular
mas que eu ouvia em tom amoroso paternal,
enquanto eu subia, subia e subia até desejar
não querer cair nunca mais.”
..
E o advogado, escritor, jornalista, cineasta, empresário e político maranhense Joaquim Haickel escreveu:
“Carta a um irmão
Meu querido amigo CB,
(Permita-me chamá-lo por seu nome de batismo, sem que de forma alguma eu seja formal, e me permita desfolhar sua árvore genealógica, em homenagem a seus maravilhosos e amados ascendentes, laterais e descendentes)
Meu querido António Celso Borges de Araújo, doce fruto da árvore plantada no solo fértil do amor de Maria Eugênia e Mário Araújo, árvore frondosa e frutífera que também gerou Fátima, Amélia, Carlos, Goretti e Teresa.
Você que ainda jovem, enamorou-se de Dulce, com quem escreveu três de seus melhores poemas: Daniel, Davi e Diego.
Você, mais tarde e mais maduro, apaixonou-se por Andrea, com quem produziu mais dois poemas extraordinários, Pedro e Clarisse.
És meu dileto e amado irmão de alma, unidos que fomos por sentimentos de genuína amizade, de profundo respeito e grande admiração.
Nós que vivemos juntos alguns dos melhores anos de nossas vidas, lado a lado, sendo não só irmãos, mas companheiros, comparsas, compadres e cúmplices, fecundamos nossos primeiros poemas.
Nós que nos “arreunimos” e guarnecemos corações e mentes daqueles que como nós eram jovens no início dos anos 1980.
Você, eu, Kenard, Paulinho, Érico, Cordeiro, e tantos outros, que movimentamos a vida de nossa cidade com um programa de rádio, com uma revista, com nossos livros, não vimos o tempo passar enquanto simplesmente vivíamos nossas vidas, e pouco a pouco fomos nos distanciando, mas o sentimento de irmandade forjado na juventude, serviu de laço inquebrantável, que nos liga, mesmo distantes fisicamente.
Nós nos conhecemos já faz bem mais de 40 anos e ainda assim parece que foi ontem. O tempo fica turvo e nos confunde.
Nossos caminhos nos levaram a destinos bem diferentes, mas nossos corações jamais se afastaram.
Nossas diferenças ideológicas não nos separaram antes e não nos separam agora, porque nenhuma ideologia supera o amor e o respeito.
O tempo e o espaço, variáveis constantes em nossas vidas, são nossos eternos tormentos, mas não superam a verdade simples contida em seu poema que eu mais gosto. Gosto tanto que me apodero dele e o reescrevo, por amor a mim, por te amar meu irmão.
Somos poucos, cada vez menos.
Somos loucos, cada vez mais.
Somos loucos, cada vez menos.
Somos poucos, cada vez mais.
Somos poucos os loucos
que sabem o que realmente são.
E aquela matéria óbvia
que nos faz dizer tá tudo bem,
não sabe nada.
Não está tudo bem.
O meu único consolo é que eu vivi,
é que vivemos,
e isso basta.
Com amor,
O teu amigo Rua.”
…
A poeta Lúcia Santos contou:
“O último descendente de julio verne ri quando ouve falar que seu tataravô levou 80 dias para dar a volta ao mundo
CELSO BORGESNão tive oportunidade de me despedir de cb, de dizer a ele da minha imensa gratidão, do meu amor, respeito, admiração. Aos leitores, peço perdão de início pelo tom confessional, mas devo isso a ele. Lá nos anos 1980, nos conhecíamos de vista e de leitura. Não éramos próximos. Publicamos uns poeminhas na revista Uns&Outros, da Akademia dos Párias. Enquanto eu começava timidamente a exibir meus poemas, Celso Borges já era um poeta maiúsculo. Eu o via como um intelectual, não empedernido mas distante. Visão distorcida, que foi desfeita quando publiquei meu primeiro livro, em 1992. Na época, cb morava em SP, e eu lhe enviei o livro autografado, sem nenhuma expectativa. Eis que recebo uma carta linda como resposta, tecendo elogios ao meu “rebento”. Uma carta muito afetuosa, de quem, até então, não tinha uma relação de amizade comigo. Era assim que cb nos conquistava. Foi assim que começou nossa irmandade.(Cont. no próximo capítulo)
…
Não sei se foi uma boa ideia dividir meu textão em partes. A cada vez que escrevo a saudade aperta. Não é masoquismo, é catarse. Se não conseguir hoje, amanhã continuo. “A posição da poesia é oposição”.
Vanessa Serra é jornalista. Ludovicense, filha de rosarienses.
Bacharel em Comunicação Social – habilitação Jornalismo, UFMA; com pós-graduação em Jornalismo Cultural, UFMA.
Atua como colunista cultural, assessora de comunicação, produtora e DJ. Participa da cena cultural do Estado desde meados dos anos 90.
Publica o Diário de Bordo, todas as quintas-feiras, na página 03, JP Turismo – Jornal Pequeno.
É criadora do “Vinil & Poesia” que envolve a realização de feira, saraus e produção fonográfica, tendo lançado a coletânea maranhense em LP Vinil e Poesia – Volume 01, disponível nas plataformas digitais. Projeto original e inovador, vencedor do Prêmio Papete 2020.
Durante a pandemia, criou também o “Alvorada – Paisagens e Memórias Sonoras”, inspirado nas tradições dos folguedos populares e lembranças musicais afetivas. O programa em set 100% vinil, apresentado ao ar livre, acontece nas manhãs de domingo, com transmissões ao vivo pelas redes sociais e Rádio Timbira.