São muitos predicativos parte de orações da inquietude de um ser batizado de sal e mar pelo amigo tropicalista, que se vestiu de palavras e transformou-as em atitude.
*Por Vanessa Serra
Salgado Maranhão foi considerado por Ferreira Gullar como um dos mais brilhantes poetas de sua geração, o que é notório. O universo poético dele despertou interesse de estudiosos em todo o mundo, tendo seus livros traduzidos em diversos idiomas. O currículo é vastíssimo, publicou em torno de dezessete livros de poesias, com obras para adultos e infantil. Salgado Maranhão recebeu dois prêmios “Jabuti”, da Câmara Brasileira do Livro, e o “Ribeiro Couto”, da União Brasileira dos Escritores, entre outros honrosos títulos. Na Música Brasileira Brasileira são diversos parceiros e intérpretes como Paulinho da Viola, Alcione, Elba Ramalho, Dominguinhos, Ivan Lins, Ney Matogrosso, Zizi Possi, Josias Sobrinho e Rita Benneditto.
A Academia Maranhense de Letras recebe agora a luminosidade do poeta Salgado Maranhão. Ele ingressou nos quadros de imortalidade da entidade ocupando a cadeira n.07.
Por coincidência no Dia Mundial da Poesia, tive a oportunidade de entrevistá-lo. Pontualmente, às 9h da manhã, o encontrei no hall do Litorânea Hotel, conforme combinado, por intermédio do maestro Zé Américo Bastos. Subimos até o andar de cima para o café da manhã. Lá, ele cumprimentou a todos, inclusive, as crianças próximas à mesa onde sentamos. A conversa iniciou com um resumo da trajetória de um jovem “filho da promessa” de uma mãe camponesa e de um pai aristocrata, que saiu de um povoado em Caxias – MA e descobriu o mundo pelas estantes de uma biblioteca pública na capital piauiense. Autodidata, alfabetizou-se lendo Camões, Fernando Pessoa, Rimbaud, Verlaine, Mallarmé entre outros clássicos da literatura universal.
“Eu era um jovem que saiu analfabeto do interior aos quinze anos; e aos 18 anos e meio já escrevia crônicas para o principal jornal da cidade. Eu descobri uma biblioteca pública em Teresina onde eu não lia os livros, eu os ‘comia’. Era meu lazer ler os clássicos da literatura. Quando eu conheci Torquato Neto eu já tinha uma pequena biblioteca em minha cabeça. E ele falou pra mim: – Lugar de maluco como você é no Rio de Janeiro”. E contrariando a família, sem nem avisar o pai, foi morar na capital carioca, permanecendo até hoje. “Foi aí que eu conheci Gilberto Gil, Milton Nascimento entre outros artistas recomendados por Torquato, um dos criadores da Tropicália. Esse cara mudou até meu nome. Ele sugeriu que eu tivesse um nome diferente, criasse um pseudônimo, por isso adotei Salgado Maranhão. Eu achei bonito essa combinação de sal e mar…” disse.
No Rio de Janeiro, Salgado Maranhão encontrou o que ele tanto queria buscar – Cultura, numa época extraordinária. “Eu fui para o caroço da fruta”, brincou. Trabalhava como jornalista, assistia todos os espetáculos de teatro, filmes, shows e enveredou para o caminho da poesia, publicando livros a partir de 1978, e não demorou muito para que suas obras fossem tão logo reconhecidas com premiações importantíssimas. “Imagina, ganhei o meu primeiro Jabuti antes do Ferreira Gullar e do Thiago de Mello. Concorri com Haroldo de Campos e Geraldo de Melo Mourão, em 1999. Foi uma ousadia”.
O poeta nunca perdeu o vínculo com o Maranhão, e com o Piauí. “Sempre estou de olho na minha terra”, diz. O primeiro convite para ingressar na Academia Maranhense de Letras foi feito por Jomar Moraes (falecido em 2016), que presidiu a entidade por 22 anos. Mas agora chegou o momento”, disse ele, pois acatou um desejo expressado pelo jornalista Antonio Carlos Lima um pouco antes de falecer. Eleito neste 21 de março de 2024, Salgado Maranhão ocupará a Cadeira n. 07 e agora vai se preparar para a posse. “Gosto muito do 7, o número da perfeição, é um número de um ciclo completo, o fim e o renovo”, falando um pouco sobre a cosmogonia chinesa.
Sobre o hábito de manter-se saudável, o poeta Salgado Maranhão é adepto às técnicas orientais e pratica Kung Fu. Ele diz que já fez todo tipo de experiência com o seu corpo para preservação da saúde. Mas hoje, faz uma dieta baseada no tipo sanguíneo: “Sou O+, que é um organismo um pouco mais primitivo que precisa comer carne. Eu como carne, por recomendação também do meu médico”. E fala: Não sei que idade tenho no ponto de vista prático.
Sobre os novos projetos ele tem um livro recém-lançado “ A voz que vem dos poros: antologia poética – Salgado Maranhão” pela editora Malê. Produz um novo disco com o maestro Zé Américo Bastos, e em breve, terá um dicionário “As imagens nas canções de Salgado Maranhão”. “Estou agoniado querendo fazer muitas coisas; estou igual um bicho, um cavalo, querendo mais estrada…”, acentua.
Para escrever suas inspirações, continua a usar a caneta e papel, depois digitaliza. E justifica: “Precisa passar pelo braço, depois passo para o computador”…
Recomendou-me o disco “Amorágil”, uma seleção de músicas de sua autoria com parcerias ilustres, na direção musical de Zé Américo Bastos. O título é um neologismo: “Amorágil é uma palavra inventada, ágil do amor, você não pode querer coisas sagradas sem pagar um preço; não em termos materiais mas em vivência, em troca humana. O amor, por exemplo, custa caro, custa sofrimento, entrega, dedicação”. Entre as faixas do disco está “Caminhos de Sol”, que já recebeu mais de dez gravações, uma delas é bem marcante na voz de Zizi Possi. Mas que nesse trabalho a música recebeu a interpretação de Rita Benneditto. “No dia em que a Rita foi gravar no estúdio lá na casa de Elba Ramalho, que fica dentro de uma floresta em São Conrado, a Selma Reis estava gravando outra música, e Rita chegou quietinha. Quando chegou o momento dela, a Rita cantou tão bem que o estúdio ficou mudo, todos pararam para ouvir aquela afinação perfeita…”, ressaltou o poeta.
Nas poéticas das canções, como lugar de fala: “Digo que o poeta não tem lugar de fala, o seu lugar de fala é o universo. Só é artista quem pode falar a partir do lugar do outro. Por exemplo, o Chico Buarque. As melhores canções dele são feitas a partir do ponto de vista da mulher… O poeta compra a dor do outro, de tal modo que o outro ou outrem possa sentir profundamente aquela dor que o poeta falou com beleza. Essa é a função do artista: plasmar a dor alheia para cantar de tal modo que as pessoas possam sentir, mesmo quem não sofreu aquela dor sabe quanto o humano pode sofrer…Tal como a obra de Lupicínio Rodrigues, de Vinicius de Moraes…Você quer saber, morando no campo, em frente a casa dos donos das terras, eu via quando eles matavam reses. Estendiam o couro, colocavam naquelas varas e penduravam nas árvores. Quando o gado chegava ali, eles urravam e gemiam… Chorava a dor do outro. Assim é o papel do artista. É falar com tal profundamente, com tal sentimento, que o outro gado humano possa sentir, ser suscetível, estar exposto aquela dor”.
Sobre os desafios da vida, Salgado Maranhão disse que nunca se amofinou. Levou alguns episódios no humor, misturou as cartas ao invés de se vitimizar..E reflete: Muitas pautas de hoje estão inutilizando as relações. É importante viver as relações, e as escolhas devem vir pelas competências. Viva a competência… E seja ela de quem for…Esse é o debate”.
(…)sou bem um outdoor
de preto
com a cara pro luar
inflando a percussão
do peito
feito um anjo feliz.
sou mais que um quadro-negro
atrás de um giz: um livre livro.
e sangue de outras sagas;
e brilho de outros breus:
quanto mais me matam
mais eu sobrevivo.
Salgado Maranhão
2 Responses
Privo da honraria de uma canção em parceria com este gênio poético das palavras brilhantes. Nosso “O Boi da Imaginação” pode ser ouvido em todas as plataformas digitais
https://open.spotify.com/track/0ItFqO4XTK7Qeq4kuDkVT6?si=NxDU8oAiS_uFSDoMExxzkQ
Sal Mar que adoça as palavras e açoita as emoções. A dor não tem cor, mas a ironia da escuridão, chicoteia a história das pessoas negras, que vieram da periferia dos centros onde os brancos, geralmente tramam a próxima dor só pelo prazer de ver que o sangue também é vermelho. E Salgado Maranhão coloca esses ingredientes no liquidificador e oferta poesia e transforma em pó a heresia para quem tem a taça daqueles que sugam o sangue das ovelhas. Mas não haverá de ser nádegas para transformar o nada no tudo. Quando se chega a tudo é preciso voltar a nado