Tocando de ouvido traz memórias e reflexões de um dos artistas mais influentes nas artes do século 20, morto em julho deste ano
“Você gosta de música? A pergunta é tão absurda quanto dizer: Você gosta de comida?”. É com essa premissa que o encenador britânico Peter Brook escreveu sua última obra Tocando de ouvido: reflexões sobre música e som, que as Edições Sesc acabam de lançar. Morto em julho, aos 97 anos, o artista é considerado um dos maiores inovadores do teatro no século 20.
Nos textos curtos presentes na obra, Brook parte de sua experiência profissional – e de espectador – para discutir a importância da música na produção artística e na vida cotidiana, bem como suas relações com o teatro, o cinema, a dança e a condição humana. São histórias saborosas ocorridas em todas as partes do mundo, dentre as quais figuram, por exemplo, a narração de ensaios de musicais, a exposição de truques de encenação, descobertas estéticas surpreendentes e a reação sempre imprevisível das plateias, seus êxitos e fracassos.
Traz também recordações de alguns dos trabalhos mais conhecidos que Brook realizou nas áreas do teatro, ópera, cinema e musicais da Broadway, especialmente entre as décadas de 1950 e 1990, que servem de cenários para suas reflexões e insights musicais.
Da primeira professora de piano a um fracasso retumbante
O jornalista e crítico musical Carlos Calado assina a orelha do livro. E traz detalhes de histórias saborosas do livro, como a que Brook conta a respeito de sua primeira professora de piano, uma russa, amiga de sua mãe, que impunha aos alunos uma disciplina quase militar.
Calado também destaca um capítulo bastante divertido em que o encenador britânico relembra o fracasso de sua primeira experiência na Broadway, em 1954: “A casa das flores era um musical baseado em um conto de Truman Capote, com canções de Harold Arlen, coreografias de George Balanchine e a cantora Pearl Bailey. Com um elenco desse naipe, ele achou que a montagem não poderia dar errado. Mas deu”.
Sobre o silêncio
O artista também aborda o silêncio no texto intitulado “Ficar silêncio”: “Uma vez, no Saara, subi uma duna e, ao olhar para baixo, vi que a depressão diante de mim era muito profunda. Escorreguei pela muralha de areia e, quando atingi o fundo, estava completamente isolado do deserto, e todos os seus tênues sons tinham desaparecido. Ali, pela primeira vez, eu experimentei de fato a presença viva do silêncio total. Quando, muito tempo depois, um amigo que voltava de uma árdua escalada nas montanhas disse: ‘Naquele ar puro, cheio de luz, o silêncio era tão vivo que eu senti que poderia tocá-lo’, eu soube o que ele queria dizer”.
Além deste, o texto “O som do silêncio”, conta algumas experiências com surdos e como o influenciaram. Depois de visitar uma escola na França – que tinha sido a primeira a introduzir a língua de sinais na França –, ele afirma: “percebemos como é lenta a nossa linguagem habitual quando vimos os surdos usando uma linguagem muito mais próxima da velocidade do pensamento”, conta, impactado pela experiência.
Trilogia de Brook
Tocando de ouvido é o terceiro livro da chamada “trilogia das reflexões” do artista. Inquieto, com quase 90 anos iniciou a escritura destes textos, começando por Reflexões sobre Shakespeare, com uma variedade de tópicos shakespearianos; depois foi lançado Na ponta da língua: Reflexões sobre linguagem e sentido, onde Brook estimula a investigação entre a palavra e seu verdadeiro sentido, e agora Tocando de ouvido: Reflexões sobre música e som; todos lançados pelas Edições Sesc.
SOBRE PETER BROOK
Peter Brook é um dos diretores teatrais mais conhecidos do mundo. Destacam-se, numa carreira repleta de realizações notáveis, suas montagens de Tito Andrônico (1995), com Laurence Olivier, Rei Lear (1962), com Paul Scofield, Marat/Sade (1964), e Sonho de uma noite de verão (1970), todas para a Royal Shakespeare Company. Depois de se mudar para Paris e fundar o Centre International de Recherche Théâtrale (Centro Internacional de Pesquisa Teatral) em 1970 e o Centre International de Créations Théâtrales (Centro Internacional de Criação Teatral), com o qual reabriu o Théâtre des Bouffes du Nord, em 1974, ele produziu uma série de eventos que alargaram as fronteiras do teatro, como A conferência dos pássaros (1976), Os iks (1975), Mahabharata (1985) e A tragédia de Carmen (1981), para citar apenas alguns. Seus filmes incluem O senhor das moscas (1963), Rei Lear (1970), Mahabharata (1989), Tell Me Lies (restaurado em 2017). É autor de diversos livros imensamente influentes, dentre os quais Reflexões sobre Shakespeare 2016), Na ponta da língua: reflexões sobre linguagem e sentido (2019) e Tocando de ouvido: Reflexões sobre música e som (2022), publicados pelas Edições Sesc.
SOBRE AS EDIÇÕES SESC SÃO PAULO
Pautadas pelos conceitos de educação permanente e acesso à cultura, as Edições Sesc São Paulo publicam livros em diversas áreas do conhecimento e em diálogo com a programação do Sesc. A editora apresenta um catálogo variado, voltado à preservação e à difusão de conteúdos sobre os múltiplos aspectos da contemporaneidade. Seus títulos estão disponíveis nas Lojas Sesc, na livraria virtual do Portal Sesc São Paulo, nas principais livrarias e em aplicativos como Google Play e Apple Store.